Nosso Castelo de Cartas

Nosso Castelo de Cartas

sábado, 31 de dezembro de 2016

Romances de verão (1)

John era viciado em romances de verão. Só conseguia amar por uma noite; talvez duas, no máximo, mas não mais que isso. Tinha uma queda por intensidade. Se fosse para enrolar duas ou três noites, perdia a paciência. John queria tudo para agora, se entregar de corpo e alma. Mas só por uma noite. Ou duas.
Ele dizia que foi uma reação natural do seu coração: toda vez que se decepcionava com o amor, amava por menos tempo. Ele dizia: “Eu não consigo amar menos, porque eu sou intenso demais. Mas eu não consigo mais continuar amando por tanto tempo”.
Teve uma namorada de cinco anos, uma de dois anos, uma de seis meses, uma de um mês. E agora já nem tentava mais. Namorar não era pra John. Mas seu lema era: "Que seja eterno enquanto dure. Que seja apenas uma noite, mas eu ainda amarei".                    
Até que houve aquele dia.

- Hey!
- Quanto tempo, John!

Encontrou uns amigos nos bares da cidade. Há um ano não se viam. Grande saudade. John achou ótimo revê-los. Conversa vai, conversa vem... Muitos sorrisos e alguns drinques.
Noite divertida.
Todos se despediram. Restavam apenas John e ela. Foram andando até a casa dele. Ela já ia chamar um táxi de lá. Mas, por que não uma última ice da geladeira, não é mesmo? Subiram. Conversaram pouco. O resto você já sabe. A verdade é que foi total surpresa para os dois.
Ninguém esperava.                       
Coisas loucas da vida que fazemos madrugada adentro.                       
John ficou com ela até de manhã. O relógio tocou e ele precisava ir embora.                        
Às vezes, a gente quer parar o tempo só um pouquinho, mas a vida não é assim.                       
John foi para o aeroporto e voltou para casa. Fim do mais belo romance de verão.                       
A verdade é que ele foi salvo pelo gongo, porque dessa vez ele queria encontrá-la mais de uma noite, ou duas.                       
Mas a vida é assim, nem sempre como a gente quer.
John a amou por uma noite. Apostou que ela nem notou.
Mas amou.
Até a noite acabar e ele pegar o avião rumo ao próximo romance de verão.
Até tudo passar.
Ou não.

Às vezes, simplesmente não passa.

domingo, 18 de dezembro de 2016

Reescrevendo (Out/2013) - A vida é tipo andar de bicicleta

A vida é tipo andar de bicicleta.
Quando você sai da faculdade ou do trabalho, é noite e você está de bicicleta, bate o cansaço.
Você passou o dia inteiro trabalhando, estudando, ocupado e agora ainda tem que encarar a viagem de volta pra casa. Você está bem cansado e realmente não está a fim de fazer exercício e se cansar mais.
Entretanto o mais interessante de estar de bicicleta é não ter opção. Você não tem outra opção a não ser subir na bicicleta e ir embora. Vai ficar lá esperando o quê? Você não vai ser teletransportado pra casa.
Às vezes a vida te cansa, porém, é como andar de bicicleta. Você não tem opção o negócio é seguir em frente e ir embora.
Não precisa ficar pensando muito, analisando muito, quanto mais você planeja, mais é difícil. Se estiver muito frio ou muito quente, se vai demorar pra chegar, se é longe...
Sobe na vida e vai embora que rapidinho você esquece tudo.
Quando se começa a pedalar, você rapidinho esquece e percebe que na verdade nem é tão ruim assim. Aliás, é até divertido.
É só dar o primeiro passo e pronto, você já está em alguma direção.
Às vezes você fica meio confuso sem saber pra onde ir, aonde quer chegar, fica planejando demais.
Esquece isso.
Mas assim eu não sei onde vou chegar...
Não sabe?
Pouco importa.
O importante não é o destino.
É o caminho.




quarta-feira, 30 de novembro de 2016

No meio do caminho

Atravesso as estradas pensando em você
Sigo por caminhos estranhos
Mas minha mente
Me leva aonde você está
Quando a gente vai em uma direção
Mas na verdade quer ir em outra
Quando a gente tenta fugir
Mas acaba voltando

E aí que parece que todos os caminhos levam até você
Todos os rostos que vejo por aí na rua são você
Todas as pessoas que queria encontrar
Na verdade
Era apenas você
Fico me perguntando por onde eu fui
Que não te encontrei

Aí eu me perco de onde eu queria ir
Se eu tinha um estrada
Se eu tinha um plano
Se eu ia pra lá
Se eu ia pra cá

Encontrei você
No meio do caminho
E pronto
Já era

Agora eu só consigo ir pra onde você for

Vou me embriagar em você de maresia
Você é minha ilha
Como o canto da sereia
Que me traz pro mar

Encontrei você
No meio do caminho
E resolvi voltar

Agora eu só consigo ir pra onde você for


sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Reescrevendo (Mai/2011) - O último dia de maio

Era de manhã. Ele saiu atrás de flores.
Caminhando pela rua parava pra cheirar cada uma delas.
Buscava o cheiro dela em tudo, mas não conseguia encontrar.
Depois de acordado, o cheiro dela tinha saído da roupa dele e agora só restava a lembrança.
Ele queria escrever algo pra ela, tipo... tipo...
Ele não sabia o que escrever.
Era como se qualquer palavra que saísse de sua boca, que fosse escrita pelas suas mãos fossem tentativas falhas, porque nada que ele pudesse dizer conseguiria descrever a beleza dela.
Não importa o que fosse dito, a sensação de tê-la em seus braços não era algo que ele conseguisse descrever. Talvez daqui a alguns anos quando fosse um escritor de verdade seria possível.
Mas hoje não. Hoje não havia o que dizer.
E já que o cheiro dela tinha partido de suas roupas, ele ia ter de se contentar com a imagem dela em suas memórias.
Mentira. Havia o que dizer sim.
Entretanto, certas vezes, nem o mais talentoso dos poetas consegue traduzir o que se passa no coração.
Aí não me resta nada a não ser tentar, no último dia de maio, por em papel meus sentimentos por você.
Mas não dá. 
Eles não cabem nessa folha. 
Transbordam na tinta papel abaixo. 
Me atravessam inteiro como teu cheiro.
Descomede-se meus sentimentos por você.
Sentir é incomensurável.


domingo, 30 de outubro de 2016

Você já quis voltar no tempo?

Era noite
Passava o vento frio nas minhas pernas
Sentado na janela do 13º andar
Escutando Radiohead

Você já quis voltar no tempo?

Um dia na quarta série
Eu caí, quebrei o braço
Doeu muito, morri de chorar
Queria voltar no tempo

Um dia na sexta série
Uma menina me fez um elogio
Eu disse que ela era idiota
Mas na verdade eu gostava dela
Queria voltar no tempo

Um dia no ensino médio
Gritei com meus pais
Xinguei meu irmão
Disse que eu odiava eles
Queria voltar no tempo

Um dia na faculdade
Tinha uma namorada
Sai pra festa, beijei outra
Queria voltar no tempo

Um dia sai do trabalho
Tava cansado, fui pro bar
Bebi demais, bati o carro
Queria voltar no tempo

Ontem

Era noite
Passava o vento frio nas minhas pernas
Sentado na janela do 13º andar
Escutando Radiohead

Pulei

Queria voltar no tempo

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Reescrevendo (Mar/2011) - O garoto que perdeu sua flor

- Arf... Arf...
Voltava correndo, afobado.
Como quem corre com medo de parar.
Pá! Tropeçou, desequilibrou, quase caiu.
Mas continuou correndo.
Chegou.
- Arf... Arf...
Olhou para um lado, para o outro, olhos no chão. O garoto tinha perdido uma coisa.
Era uma flor.
Ele tinha dado um nome pra sua flor. Era "a flor mais bela do mundo".
Ou apenas "Bela" para os íntimos.
Há uns minutos, ele tinha encontrado Bela.
Estava andando na pracinha e tinha uma árvore. Nela havia dezenas de flores bonitas. Ele ficou olhando... olhando...
Até que viu a flor mais bonita de todas, deu um sorrisão, esticou a mão e a tirou da árvore.
Ele sentou, ficou olhando pra flor, e foi nesse momento que ele a deu um nome.
Ele deu outro sorrisão, teve uma ideia genial.
Colocou a flor na orelha. Era um garoto. Se aparecesse algum adulto ali, ele provavelmente ia ser obrigado a tirar a flor da orelha porque "era coisa de menina".
Mas para a sorte dele, não tinha nenhum adulto chato por ali e o garoto pôde ficar com sua flor mais bela do mundo em paz.
Ficava olhando pra pracinha, pras árvores, pro céu e sorrindo o tempo todo.
Depois foi dar uma volta na pracinha e procurar alguém para brincar. Achou rápido. Correu, pegou, foi pego, se divertiu um bocado até cansar. E quando cansou, sentou e pôs a mão na orelha.
Mas Bela não estava mais lá.
O coração do menino logo passou a bater rapidamente. Ele se levantou num pulo e correu para a árvore onde tinha achado Bela.
Mas ela não estava mais lá, ela não estava em lugar nenhum. O garoto não achou sua flor e ficou muito triste.
Mas o pior nem foi tê-la perdido. O pior foi nem perceber quando a perdeu.
Foi nem conseguir dizer adeus.
O mais triste da história é que, chateado com a perda da flor mais bela do mundo, o garoto passou o resto do dia com a cabeça baixa. E esse dia que ele passou com a cabeça baixa o fez deixar de ver centenas de outras lindas flores que estavam nas árvores no meio do caminho.
Uma ou outra devem ter quase caído em cima dele e ele não percebeu.
Fim da história.

Quer dizer.
Ah! Uns anos depois o garoto cresceu. E um dia ele viu uma garota com uma flor na orelha.
Ele ficou encarando-a por uns segundos e se lembrou da história. Falou:
- A flor mais bela do mundo...
A garota olhou para ele sorriu, tirou a flor da orelha e perguntou:
- Essa? Acha ela tão bonita assim?
O garoto meio que acordou, olhou fundo nos olhos dela e disse:
- Ah. Não... Eu... Estava falando de outra flor na verdade.
E sorriu.
Ela sorriu também.
O sol estava se pondo nas costas deles.
Agora sim.

Fim da história. 

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Love is a broken bottle

It fell to the ground
Shattered in a thousand pieces
The dreams they spoke of are nothing
But dreams

Innocents on their youth
Will believe it is forever
Amateur writers
Typewrite it in poetry

Until one day or another  
Reality hits you 
First punch 
One man down

But the fallen refuses to stay in the ground
Taught never to give up
The knight straights himself up
Back to his feet  
He will rise from the shadows to fight once more  

And then, he continues
Like nothing ever happened
Now it is ok
Everything will be fin…

Ouch!
Right in the stomach
Again to the ground

Still
He abnegates quitting
Goes back again
Rises from his grave

Up and down
Up
and
down

Rises one more time

Just
to
fall

He dreams he will be the winner someday
So wrong he is
Reality is a bitch

Love is a broken bottle 
Broken again 
And again
Shattered into a million pieces
Until the glass becomes
Dust 

Like a tree during autumn
Wind hits it again
And again
Until all the leaves are on the ground
Nothing remains

The hope fades out
Day becomes night 
What happened?
What always happens
Over and over again

Love is a broken bottle
Crushed, fractured, pulverized
Smashed to smithereens
Damaged so many times
Until its glass became unrecognizable
Dust

And you cannot tell anymore

What is bottle
and what is dust
What is love
and what is
Whatever remained
In your pile of ashes

Then rise as phoenix
and try again

Love
Love is a broken bottle

That is probably why
I cannot ever have enough vodka

The bottle is broken


quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Reescrevendo (Jan/2011) - Chain Break

Chain Break (Parte 1)

Abra os olhos.
Levantou da cama num pulo já com o lençol na mão, vai o dobrando e abrindo a gaveta do guarda-roupa com o pé, enquanto pensa em que roupa vestir. Tempo é dinheiro. Cinco minutos e estava na sala, tomando café com uma mão e calçando o sapato com a outra.
Ninguém lhe dá bom dia, ele não mora só, mas parece que mora, afinal os horários não se batem e é raro os moradores daquela casa se encontrarem. Desce as escadas correndo, são 7h44 agora, conseguiu se arrumar e sair de casa em 14 minutos, foi um bom tempo já que seu recorde pessoal eram 11 minutos.
Bom dia! Sabe aquele bom dia que somos obrigados a dar? Pois é esse bom dia (que ele deu à recepcionista) foi um deles. Sua sala era uma das últimas do corredor passou por todas rápido, até melhor que seja rápido, assim ele não precisa falar com ninguém.
Chato? Eu não diria chato. Eu diria que a vida dele era chata. Que a sociedade era chata pra cacete. Aquela coisa de acordar todo dia no mesmo horário, pegar o mesmo ônibus, ir pro mesmo lugar, ver as mesmas pessoas. Putz! Se você para pra pensar, isso pode se tornar chato pra porra! Sabe aquele emprego de mexer nos papéis e no computador? Aí você inverte do computador pros papéis, pegar um cafezinho pro chefe (e aquela cara dele de “chegou atrasado de novo?” tsc tsc) ou aquela sua vontade de matá-lo de vez em quando. O ser humano é assim mesmo. É fácil estabelecer padrões pra sua espécie. O problema é justamente que tem sempre um ou outro fora desses padrões. John era desses que teimam em ser diferente. Ele tinha uma regra...
Ele chamava essa regra de “Chain Break”. A cada hora que se passava, toda vez que o ponteiro acertava horas exatas às 8h, às 9h, às 23h. Ele tinha uma chance de quebrar a rotina. Uma vez por dia quando o relógio acertasse uma hora, ele tinha que fazer algo pra quebrá-la. Por quê? Porque sim, oras. Ele teve essa ideia um dia, gostou e resolveu aplicá-la. E deu certo, os “chain breaks” eram geralmente os melhores momentos do seu dia.
Eu não estou falando de nada excepcional, ações que mudassem sua vida ou dessem pra fazer um filme. Eram coisas simples. Às vezes, ele só deitava no chão (não importando onde estivesse). Às vezes, corria tentava pular a primeira coisa alta que via na frente (esse lhe rendeu um tombo feio uma vez). Teve um dia que ele resolveu fazer uma receita pegando ingredientes com os olhos fechados (não deu certo também). Outro, ele fez seu próprio jogo de tabuleiro (apesar de ninguém nunca ter jogado). Uma vez escreveu uma poesia. Teve uma hora que pegou uma flor e entregou pra primeira garota bonita que viu, ela sorriu, ele sorriu também e foi embora (podia ter ao menos perguntando o nome dela...).
Não importava realmente o que John ia fazer, valia mesmo era o “fazer”. Qualquer coisa estranha, inesperada, imprevisível, a primeira coisa que lhe viesse na cabeça. E seja lá o que ele estivesse fazendo sempre durantes os “chain breaks” John estava sorrindo, rindo, sei lá. Era legal e ele se divertia muito com isso.
A coisa já estava ficando até mais elaborada. Tinha o “final break” que ocorria às 23h59 e era a última chance de quebrar a rotina naquele dia. Ele ficava olhando pro relógio e dizendo... “O dia ainda não acabou!” Enquanto eram 23h58... E um minuto depois ele fazia qualquer coisa.
O primeiro “final break” foi um dia totalmente perdido, chato pra cacete, onde teve uma reunião chata no trabalho, um café derramado na blusa, um ônibus perdido e uma série de acontecimentos reunidos que o impediram de conseguir um “chain break”. Naquele dia quando ele olhou pro relógio e viu que já tinha passado das 23h, aliás, já eram 23h59 e que ele teria passado um dia inteiro sem um “chain break” ele disse: “não!” Saiu do seu apartamento, desceu as escadas e foi correndo no meio da rua às 23h59 com a roupa do trabalho... Aproximadamente 4 minutos depois ou tempo que o grande físico sedentário de John o levou pra cair sentado no chão. Ele deitou, olhou pro céu e... Lembrou-se que era perigoso onde morava e era melhor ele sair correndo de volta pra casa. Foi o que ele fez... Não me pergunte por que, mas ele voltou correndo e sorrindo. Meio coisa de louco mesmo.
Tinha outra regra também. Sabe quando ele entregou a flor pra garota no meio da rua? Pois é, ele teve a ideia, pegou a flor, olhou pra um lado e outro, viu uma garota bonita foi em direção a ela e... TU DUM... TU DUM... Seu coração bateu forte e rápido demais. Ele começou a pensar... E se ela achar ruim? E se me der uma tapa? Gritar comigo? E se o namorado dela estiver por aqui? E se o namorado dela for um cara grande e forte? E se? OH MEU DEUS. E se... E se... Ele parou um segundo, a garota passou por ele. Ele tinha ficado com muito medo pra entregar a flor, ele tinha ficado com muito medo pra conseguir aquele chain break.
Foi aí que ele inventou mais essa regra “não existe medo durante um chain break” Virou, tocou o ombro da garota olhou pra ela sorriu e disse “pra você”, ela sorriu, ele virou as costas e foi embora.
Pois é, já tem o “chain break” o “final break” e o “não existe medo durante um chain break” com essa já são três regras. John nunca gostou de coisas complicadas, a coisa começou com uma regra e agora já eram três! Tá bom, né?
Mas hoje John estava realmente a fim de tentar algo mais novo e mais difícil ainda. Ele deu o nome de “hard break” e seria a última regra. A ideia era simples. O “hard break” consistia em convencer alguém a fazer um “chain break” junto com ele. Por isso o nome “hard”, afinal fazer uma loucura sozinho é tranquilo, mas convencer alguém a fazer junto... É “hard”.
Hoje ele ia tentar o primeiro “hard break”, aliás, ele ia tentar um “final hard break” às 23h59. Ele ia pegar o celular, ligar pra um contato aleatório da agenda e convencer seja lá quem fosse a fazer qualquer maluquice junto com ele. Considerando as habilidades de John de convencer as pessoas, ele julgava que isso ia ser bem difícil. Talvez... Se ele tentasse ligar mais cedo, ou... Ligasse pro ser melhor amigo... Podia ser mais fácil. Mais aí não teria tanta graça assim. O divertido dos “chain breaks” é exatamente a parte em que o destino se mete. Então teria que ser às 23h59 e teria que ser uma pessoa aleatória.
Ele passou o dia pensando nisso. 23h58... 23h59. Era agora. Já estava com o celular na mão, colocou na agenda, fechou os olhos e escolheu um número.
Discando... Era o número de uma garota. Foi nessa hora que ele pensou... Ah... Acho que a probabilidade dela simplesmente não atender e assim irem por água abaixo meus grandes planos é imensa. Tu... Tu...Tu... (o celular) TU DUM... TU DUM... TU DUM... (o coração de John)...
- Alô?

Chain Break (Parte 2)

- Alô? (Ele)
- Eu parei de ir atrás de você. Percebi que era o que você queria. Certo? Você poderia ao menos ter me ligado... (Ela)
- Sim, eu queria. Mas o destino mandou que eu me afastasse.
- O destino disse algo sobre eu sentada sozinha ouvindo mensagens antigas só pra ouvir sua voz? Algo assim? Ou... Sobre eu procurar rostos de estranhos no metrô na esperança de cruzar com seu sorriso? Mas nunca achei.
- Ele não me disse, isso eu descobri sozinho.
- Certo. Então por que resolveu atender dessa vez?
- Já é hora de dar um ponto final nisso, não ia dar certo mesmo. Todas essas dificuldades... Você sabe...
- Então amar não é suficiente?
 - Não.
Tu... Tu...Tu...
Bom, ao menos foi a última vez que ela ligou pra ele.
Não era a primeira vez que ela chorava por causa daquele cara. Na verdade, das duas últimas vezes quando chorou prometeu a si mesma que seria a última vez.
Dessa vez nem se deu ao trabalho de prometer. Mas foi a última vez. Tomar um banho pra esfriar a cabeça.
Chuá...
“Em algum lugar do tempo... Nós ainda estamos juntos” (música).
Fechou o chuveiro.
- Maldito toque de celular... Quer saber? Foda-se. Vai tocar até a morte. Abriu o chuveiro.
 - Mana! Seu celular tá tocando!
 Aff...  Tô no banho! Vou atender não! Desliga aí!

Hehehe... (curta e silenciosa risada maligna ao fundo)

Chain Break (Parte 3)

- Alô? (garota de 12 anos do outro lado da linha)
- Oi! É o John. Tudo bem?
- Tudo. E com você?
- Tudo! Desculpe ter ligado tão tarde...
- Sem problema, o que é?
- Eer... Bom, eu queria encontrar você hoje. Ah, sei lá bater um papo.
(Encontrar minha irmã hoje? É meia-noite! Esse cara é o quê? doido?)
- (Silêncio...)
- Eer... Oi?
(Sorriso macabro ao fundo)
 - Oi! Tudo bem! Onde?
- Oh! Eer... Na... No... No supermercado!
 (É doido mesmo)
 - Aquele aqui perto?
 - Isso!
- Tá certo então, te vejo lá.
- Certo!
- Tchau.
- Tchau...
- Tu... Tu... Tu...
Como se minha irmã fosse sair à meia-noite com esse doido. Otário! Vai esperar a noite toda.
E do outro lado da linha, John.
- Não estou acreditando que isso deu certo mesmo. Foi fácil demais, pensei que ia ter que tentar uns quatro contatos pelo menos... Bom, funcionou é o que importa. Agora, pro supermercado perto da casa dela... Aonde é que ela morava mesmo?
...
Lembrei!

Chain Break (Parte 4)

Ela saiu do banheiro, trocou de roupa e resolveu sair de casa. Mas pra onde mesmo? O negócio era ir embora, caminhar pra qualquer lugar... Mas não posso ficar andando por aí tarde da noite, acho que a única coisa aberta uma hora dessas é um supermercado 24h aqui do lado. Que seja então.
 - Oi!
Supermercado 24h tarde da noite, lugar estranho pra encontrar alguém.
- Oi! Fazendo compras essa hora?
- Pois é... Longa história, só um hábito estranho. Pra quebrar a rotina sabe?
 - Pô, legal.
(Sério, achei legal mesmo. “Hábito estranho” São palavras que rendem boas gargalhadas geralmente.)
- Só uma ou duas coisas que tenho que pegar. Vamos lá?
(Ele tá me convidando pra acompanhar ele nas comprar noturnas? Bom isso foi meio estranho, mas eu tô aqui no supermercado mesmo afinal. E porque não? Tô fazendo nada mesmo.)
- Beleza. Em que seção é?
- Sei lá... Deixa eu ver...
(Ok, pessoas espertas vem pra um supermercado com uma lista ou algo assim. Mas beleza...)
- Bebidas! Estou com sede.
(Isso é que é decidir na hora.)
- Qual bebida eu levo?
- Tá perguntando pra mim? Eu não sei, você que veio fazer as compras ué.
- Escolhe uma aí.
- Pega um vinho então.
- Beleza.
- Precisa do que mais?
- Deixa eu ver... Eu tenho um vinho... Agora só preciso de um queijo!
- Queijo é bom.
Queijo, depois caixa, caminho para a saída, passamos pelas mesas e...
- Aí, porque a gente não senta e bebe?
- Aqui, agora?
 - Sim, agora. Por que não?
(Por que não né? Tô fazendo nada mesmo.)
 - Beleza. Ele foi pegar uns copos, voltou rápido. Colocou vinho neles, olhou pra mim e disse já sorrindo:
- Então... Você vem sempre aqui?
Eu quase ri.
- Nesse supermercado? Claro! Principalmente depois da meia-noite.
Ele sorriu.
Eu percebi que isso estava bem melhor do que o esperado. Não estava dando gargalhas por aí, mas melhor no supermercado à meia-noite tomando vinho com um colega que mal conhecia, do que na minha cama sozinha perdida em péssimos pensamentos. Fiz bem em sair.
A garrafa de vinho foi embora rápido. Sabe essas pessoas que você mal conhece, mas uma vez acabam conversando e você nunca imaginou o quanto aquela pessoa pudesse ser interessante e divertida? Eu já estava até rindo. Eu já tinha até me esquecido... Do que mesmo?

Mas, como tudo acaba, nos despedimos. Ele estava indo embora e alguns segundos antes de partir, olhou nos meus olhos uma última vez aquela noite. Sabe aquele tipo de pessoa que fala muito com os olhos? Pois é. Nem vou contar a vocês o que li nos olhos dele. Eu só sorri. Tempos depois ele me disse que passou a noite pensando naquele sorriso. E pensar que eu saí de casa sem a mínima esperança de sorrir essa noite. Esse foi nosso primeiro encontro. O resto são outras histórias. Use a imaginação, mas dou uma dica. Final feliz. 

sábado, 20 de agosto de 2016

Reescrevendo (Ago/2011) - O Garoto Ancião

Dezessete anos, longos cabelos pretos e olhos castanhos.
Jovem empolgado, aventureiro, queria mudar o mundo, tinha vontade de fazer tudo. Nenhuma montanha era alta demais que ele não arriscasse escalar, nenhuma queda era grande demais que ele não conseguisse se levantar.
Curioso. Gabriel era muito curioso.
Gostava de música, jogos, filmes, esportes, aventuras e de ler.
Um dia, Gabriel encontrou um livro numa caixa velha em sua casa, naquele cômodo que tem em todas as casas, aquele lugar onde há um monte de coisa encaixotada que ninguém usa, mas também não joga fora.
Na primeira página do livro, dizia: "Este livro é mágico".
De certa forma, todos são.
E na segunda página, dizia: "Primeiro capítulo: Hoje".
O protagonista do livro era um jovem de dezessete anos, longos cabelos pretos e olhos castanhos. Jovem empolgado, aventureiro, queria mudar o mundo, tinha vontade de fazer tudo. Nenhuma montanha era alta demais que ele não arriscasse escalar, nenhuma queda era grande demais que ele não conseguisse se levantar. Curioso.
O livro era uma biografia muito envolvente. Gabriel, sem parar, leu toda a vida do protagonista, que foi contada desde os seus dezessete anos até os seus cinquenta anos.
A última linha dizia: “Na famosa crise de meia idade, eis que ele fechou o livro, pois tinha a grande impressão de que já não havia mais nada para escrever”.
Gabriel achou o final idiota, fechou o livro e foi dormir.
Entretanto, ele nunca mais acordou.
Porque quem acordou naquela manhã não foi Gabriel, mas um cara de cinquenta anos.
Gabriel tinha envelhecido trinta e três anos em uma noite. Ele correu pro espelho e viu o quanto tinha mudado.
Dezessete anos, longos cabelos pretos e olhos castanhos. Nada de diferente.
Mentira.
Tudo era diferente.
Gabriel meio que levantou cambaleando e foi tomar café. Sua mãe lhe deu “bom dia” como se nada tivesse acontecido. Mas ele nem deu “bom dia” a ela, porque ele se sentia como se já tivesse dado um milhão de “bom dia” e mais um não faria diferença. Era a coisa mais estranha que já havia sentido, mas era tipo estar enjoado de dar “bom dia”.
Mas ele gostava de dar “bom dia”.
O café da manhã tinha leite com chocolate e pão com queijo. Ele adorava aquele café da manhã.
Mas hoje ele havia acordado como se já tivesse comido aquele café da manhã um milhão de vezes. Mal tocou na comida. Estava enjoado de pão com queijo.
E ao longo do dia ele percebeu que tudo estava igual. Tudo era repetido, era um filme já visto e ele tinha certeza absoluta de que já tinha feito tudo o que havia para fazer.
Nesses trinta e três anos, ele viu todos os filmes que queria ver, leu todos os livros que queria ler, escutou todas as músicas que queria escutar, conheceu todas as pessoas que queria conhecer, beijou todas as garotas que queria beijar. E, mesmo que ele visse outros filmes, escutasse outras músicas ou conhecesse outras pessoas, nada parecia se comparar com os últimos trinta e três anos que ele já havia vivido.
Era tudo sem graça.
"Era como se não houvesse mais nada pra escrever" – ele pensou.
E lembrou-se do livro, correu em casa e o pegou.
Na primeira página, dizia: "Este livro é mágico".
“Não pode ser...” – ele pensou.
Na segunda página, havia as seguintes palavras:
"Hoje acordei meio estranho, meio enjoado. Mas nem prestei atenção nisso, porque um grande amigo que eu não via há muito tempo me ligou, dizendo que estava na cidade”.
Tu ru ru ru, tu ru ru ru, tu ru ru ru ruuuu.
Era o celular de Gabriel.
- Alô?
- Alô. Quem é?
- Sou eu, cara! Quanto tempo! Não lembra mais de mim?
... (silêncio)
- Estou de passagem por aqui! Vamos nos encontrar hoje? Pode ser?
- Claro.
- Certo! Passo na sua casa mais tarde, então!
- Ok.
... (silêncio)
Eu não sei se o livro era mágico mesmo.
Mas Gabriel sabia, tinha certeza de que o livro era mágico. De que ele havia vivido trinta e três anos e agora tinha cinquenta, estava preso no corpo de um moleque de dezessete e não via mais graça na vida.
Ele saiu para dar uma volta, levou o livro. Gabriel morava numa metrópole. Ele pegou um elevador num dos prédios mais altos da cidade.
Foi para um lugar onde se podia acessar a cobertura do edifício (não era exatamente permitido, mas ele dava um jeitinho). Ele adorava ver o pôr-do-sol daquele lugar.
Gabriel deitou na cobertura do prédio e passou horas pensando na vida, no universo e em tudo mais e em qual era o sentido daquilo tudo.
"Era como se não houvesse mais nada pra escrever".
Realmente não havia mais nada? Tudo era tão absurdamente sem graça assim?
Ele só conseguia pensar que era.
Só faltava um fim para essa história.
Começou a chover.
Ele pegou o livro e foi pra beira do prédio. Olhou lá para baixo por uns minutos.
Carros, confusas cabeças: a correria das capitais.
Olhou pro livro, olhou para baixo, pro livro, para baixo.
Chuva forte.
Já era hora do fim.
Abriu o livro...
Dezessete anos, longos cabelos pretos e olhos castanhos. Jovem empolgado, aventureiro, queria mudar o mundo, tinha vontade de fazer tudo. Nenhuma montanha era alta demais que ele não arriscasse escalar, nenhuma queda era grande demais que ele não conseguisse se levantar. Curioso.
...
VUSH
É o som que faz o vento quando se caí de bem alto.
SPLAFT
É o som que se faz quando se atinge o chão molhado.
Tipo SPLASH + PAFT.
Quase caiu na cabeça de uma pessoa. Essa pessoa aleatória que não tinha nada a ver com a história tomou um puta susto.
Ele pulou.
Mas não para fora do prédio, pulou pro outro lado, de volta para dentro do edifício.
Agora, de costas pra beira do prédio, ele notou que começava o pôr-do-sol.
E assim que começou a admirá-lo, sentiu-se como se já houvesse visto o pôr-do-sol um milhão de vezes.
Mas não dá para enjoar do pôr-do-sol.
Deu um sorriso.
Ninguém quis pegar o livro que caiu lá embaixo, caiu na chuva mesmo.
Molhou, estragou.
Ainda bem. Acho que era um livro perigoso.