Nosso Castelo de Cartas

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quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Reescrevendo (Jan/2011) - Chain Break

Chain Break (Parte 1)

Abra os olhos.
Levantou da cama num pulo já com o lençol na mão, vai o dobrando e abrindo a gaveta do guarda-roupa com o pé, enquanto pensa em que roupa vestir. Tempo é dinheiro. Cinco minutos e estava na sala, tomando café com uma mão e calçando o sapato com a outra.
Ninguém lhe dá bom dia, ele não mora só, mas parece que mora, afinal os horários não se batem e é raro os moradores daquela casa se encontrarem. Desce as escadas correndo, são 7h44 agora, conseguiu se arrumar e sair de casa em 14 minutos, foi um bom tempo já que seu recorde pessoal eram 11 minutos.
Bom dia! Sabe aquele bom dia que somos obrigados a dar? Pois é esse bom dia (que ele deu à recepcionista) foi um deles. Sua sala era uma das últimas do corredor passou por todas rápido, até melhor que seja rápido, assim ele não precisa falar com ninguém.
Chato? Eu não diria chato. Eu diria que a vida dele era chata. Que a sociedade era chata pra cacete. Aquela coisa de acordar todo dia no mesmo horário, pegar o mesmo ônibus, ir pro mesmo lugar, ver as mesmas pessoas. Putz! Se você para pra pensar, isso pode se tornar chato pra porra! Sabe aquele emprego de mexer nos papéis e no computador? Aí você inverte do computador pros papéis, pegar um cafezinho pro chefe (e aquela cara dele de “chegou atrasado de novo?” tsc tsc) ou aquela sua vontade de matá-lo de vez em quando. O ser humano é assim mesmo. É fácil estabelecer padrões pra sua espécie. O problema é justamente que tem sempre um ou outro fora desses padrões. John era desses que teimam em ser diferente. Ele tinha uma regra...
Ele chamava essa regra de “Chain Break”. A cada hora que se passava, toda vez que o ponteiro acertava horas exatas às 8h, às 9h, às 23h. Ele tinha uma chance de quebrar a rotina. Uma vez por dia quando o relógio acertasse uma hora, ele tinha que fazer algo pra quebrá-la. Por quê? Porque sim, oras. Ele teve essa ideia um dia, gostou e resolveu aplicá-la. E deu certo, os “chain breaks” eram geralmente os melhores momentos do seu dia.
Eu não estou falando de nada excepcional, ações que mudassem sua vida ou dessem pra fazer um filme. Eram coisas simples. Às vezes, ele só deitava no chão (não importando onde estivesse). Às vezes, corria tentava pular a primeira coisa alta que via na frente (esse lhe rendeu um tombo feio uma vez). Teve um dia que ele resolveu fazer uma receita pegando ingredientes com os olhos fechados (não deu certo também). Outro, ele fez seu próprio jogo de tabuleiro (apesar de ninguém nunca ter jogado). Uma vez escreveu uma poesia. Teve uma hora que pegou uma flor e entregou pra primeira garota bonita que viu, ela sorriu, ele sorriu também e foi embora (podia ter ao menos perguntando o nome dela...).
Não importava realmente o que John ia fazer, valia mesmo era o “fazer”. Qualquer coisa estranha, inesperada, imprevisível, a primeira coisa que lhe viesse na cabeça. E seja lá o que ele estivesse fazendo sempre durantes os “chain breaks” John estava sorrindo, rindo, sei lá. Era legal e ele se divertia muito com isso.
A coisa já estava ficando até mais elaborada. Tinha o “final break” que ocorria às 23h59 e era a última chance de quebrar a rotina naquele dia. Ele ficava olhando pro relógio e dizendo... “O dia ainda não acabou!” Enquanto eram 23h58... E um minuto depois ele fazia qualquer coisa.
O primeiro “final break” foi um dia totalmente perdido, chato pra cacete, onde teve uma reunião chata no trabalho, um café derramado na blusa, um ônibus perdido e uma série de acontecimentos reunidos que o impediram de conseguir um “chain break”. Naquele dia quando ele olhou pro relógio e viu que já tinha passado das 23h, aliás, já eram 23h59 e que ele teria passado um dia inteiro sem um “chain break” ele disse: “não!” Saiu do seu apartamento, desceu as escadas e foi correndo no meio da rua às 23h59 com a roupa do trabalho... Aproximadamente 4 minutos depois ou tempo que o grande físico sedentário de John o levou pra cair sentado no chão. Ele deitou, olhou pro céu e... Lembrou-se que era perigoso onde morava e era melhor ele sair correndo de volta pra casa. Foi o que ele fez... Não me pergunte por que, mas ele voltou correndo e sorrindo. Meio coisa de louco mesmo.
Tinha outra regra também. Sabe quando ele entregou a flor pra garota no meio da rua? Pois é, ele teve a ideia, pegou a flor, olhou pra um lado e outro, viu uma garota bonita foi em direção a ela e... TU DUM... TU DUM... Seu coração bateu forte e rápido demais. Ele começou a pensar... E se ela achar ruim? E se me der uma tapa? Gritar comigo? E se o namorado dela estiver por aqui? E se o namorado dela for um cara grande e forte? E se? OH MEU DEUS. E se... E se... Ele parou um segundo, a garota passou por ele. Ele tinha ficado com muito medo pra entregar a flor, ele tinha ficado com muito medo pra conseguir aquele chain break.
Foi aí que ele inventou mais essa regra “não existe medo durante um chain break” Virou, tocou o ombro da garota olhou pra ela sorriu e disse “pra você”, ela sorriu, ele virou as costas e foi embora.
Pois é, já tem o “chain break” o “final break” e o “não existe medo durante um chain break” com essa já são três regras. John nunca gostou de coisas complicadas, a coisa começou com uma regra e agora já eram três! Tá bom, né?
Mas hoje John estava realmente a fim de tentar algo mais novo e mais difícil ainda. Ele deu o nome de “hard break” e seria a última regra. A ideia era simples. O “hard break” consistia em convencer alguém a fazer um “chain break” junto com ele. Por isso o nome “hard”, afinal fazer uma loucura sozinho é tranquilo, mas convencer alguém a fazer junto... É “hard”.
Hoje ele ia tentar o primeiro “hard break”, aliás, ele ia tentar um “final hard break” às 23h59. Ele ia pegar o celular, ligar pra um contato aleatório da agenda e convencer seja lá quem fosse a fazer qualquer maluquice junto com ele. Considerando as habilidades de John de convencer as pessoas, ele julgava que isso ia ser bem difícil. Talvez... Se ele tentasse ligar mais cedo, ou... Ligasse pro ser melhor amigo... Podia ser mais fácil. Mais aí não teria tanta graça assim. O divertido dos “chain breaks” é exatamente a parte em que o destino se mete. Então teria que ser às 23h59 e teria que ser uma pessoa aleatória.
Ele passou o dia pensando nisso. 23h58... 23h59. Era agora. Já estava com o celular na mão, colocou na agenda, fechou os olhos e escolheu um número.
Discando... Era o número de uma garota. Foi nessa hora que ele pensou... Ah... Acho que a probabilidade dela simplesmente não atender e assim irem por água abaixo meus grandes planos é imensa. Tu... Tu...Tu... (o celular) TU DUM... TU DUM... TU DUM... (o coração de John)...
- Alô?

Chain Break (Parte 2)

- Alô? (Ele)
- Eu parei de ir atrás de você. Percebi que era o que você queria. Certo? Você poderia ao menos ter me ligado... (Ela)
- Sim, eu queria. Mas o destino mandou que eu me afastasse.
- O destino disse algo sobre eu sentada sozinha ouvindo mensagens antigas só pra ouvir sua voz? Algo assim? Ou... Sobre eu procurar rostos de estranhos no metrô na esperança de cruzar com seu sorriso? Mas nunca achei.
- Ele não me disse, isso eu descobri sozinho.
- Certo. Então por que resolveu atender dessa vez?
- Já é hora de dar um ponto final nisso, não ia dar certo mesmo. Todas essas dificuldades... Você sabe...
- Então amar não é suficiente?
 - Não.
Tu... Tu...Tu...
Bom, ao menos foi a última vez que ela ligou pra ele.
Não era a primeira vez que ela chorava por causa daquele cara. Na verdade, das duas últimas vezes quando chorou prometeu a si mesma que seria a última vez.
Dessa vez nem se deu ao trabalho de prometer. Mas foi a última vez. Tomar um banho pra esfriar a cabeça.
Chuá...
“Em algum lugar do tempo... Nós ainda estamos juntos” (música).
Fechou o chuveiro.
- Maldito toque de celular... Quer saber? Foda-se. Vai tocar até a morte. Abriu o chuveiro.
 - Mana! Seu celular tá tocando!
 Aff...  Tô no banho! Vou atender não! Desliga aí!

Hehehe... (curta e silenciosa risada maligna ao fundo)

Chain Break (Parte 3)

- Alô? (garota de 12 anos do outro lado da linha)
- Oi! É o John. Tudo bem?
- Tudo. E com você?
- Tudo! Desculpe ter ligado tão tarde...
- Sem problema, o que é?
- Eer... Bom, eu queria encontrar você hoje. Ah, sei lá bater um papo.
(Encontrar minha irmã hoje? É meia-noite! Esse cara é o quê? doido?)
- (Silêncio...)
- Eer... Oi?
(Sorriso macabro ao fundo)
 - Oi! Tudo bem! Onde?
- Oh! Eer... Na... No... No supermercado!
 (É doido mesmo)
 - Aquele aqui perto?
 - Isso!
- Tá certo então, te vejo lá.
- Certo!
- Tchau.
- Tchau...
- Tu... Tu... Tu...
Como se minha irmã fosse sair à meia-noite com esse doido. Otário! Vai esperar a noite toda.
E do outro lado da linha, John.
- Não estou acreditando que isso deu certo mesmo. Foi fácil demais, pensei que ia ter que tentar uns quatro contatos pelo menos... Bom, funcionou é o que importa. Agora, pro supermercado perto da casa dela... Aonde é que ela morava mesmo?
...
Lembrei!

Chain Break (Parte 4)

Ela saiu do banheiro, trocou de roupa e resolveu sair de casa. Mas pra onde mesmo? O negócio era ir embora, caminhar pra qualquer lugar... Mas não posso ficar andando por aí tarde da noite, acho que a única coisa aberta uma hora dessas é um supermercado 24h aqui do lado. Que seja então.
 - Oi!
Supermercado 24h tarde da noite, lugar estranho pra encontrar alguém.
- Oi! Fazendo compras essa hora?
- Pois é... Longa história, só um hábito estranho. Pra quebrar a rotina sabe?
 - Pô, legal.
(Sério, achei legal mesmo. “Hábito estranho” São palavras que rendem boas gargalhadas geralmente.)
- Só uma ou duas coisas que tenho que pegar. Vamos lá?
(Ele tá me convidando pra acompanhar ele nas comprar noturnas? Bom isso foi meio estranho, mas eu tô aqui no supermercado mesmo afinal. E porque não? Tô fazendo nada mesmo.)
- Beleza. Em que seção é?
- Sei lá... Deixa eu ver...
(Ok, pessoas espertas vem pra um supermercado com uma lista ou algo assim. Mas beleza...)
- Bebidas! Estou com sede.
(Isso é que é decidir na hora.)
- Qual bebida eu levo?
- Tá perguntando pra mim? Eu não sei, você que veio fazer as compras ué.
- Escolhe uma aí.
- Pega um vinho então.
- Beleza.
- Precisa do que mais?
- Deixa eu ver... Eu tenho um vinho... Agora só preciso de um queijo!
- Queijo é bom.
Queijo, depois caixa, caminho para a saída, passamos pelas mesas e...
- Aí, porque a gente não senta e bebe?
- Aqui, agora?
 - Sim, agora. Por que não?
(Por que não né? Tô fazendo nada mesmo.)
 - Beleza. Ele foi pegar uns copos, voltou rápido. Colocou vinho neles, olhou pra mim e disse já sorrindo:
- Então... Você vem sempre aqui?
Eu quase ri.
- Nesse supermercado? Claro! Principalmente depois da meia-noite.
Ele sorriu.
Eu percebi que isso estava bem melhor do que o esperado. Não estava dando gargalhas por aí, mas melhor no supermercado à meia-noite tomando vinho com um colega que mal conhecia, do que na minha cama sozinha perdida em péssimos pensamentos. Fiz bem em sair.
A garrafa de vinho foi embora rápido. Sabe essas pessoas que você mal conhece, mas uma vez acabam conversando e você nunca imaginou o quanto aquela pessoa pudesse ser interessante e divertida? Eu já estava até rindo. Eu já tinha até me esquecido... Do que mesmo?

Mas, como tudo acaba, nos despedimos. Ele estava indo embora e alguns segundos antes de partir, olhou nos meus olhos uma última vez aquela noite. Sabe aquele tipo de pessoa que fala muito com os olhos? Pois é. Nem vou contar a vocês o que li nos olhos dele. Eu só sorri. Tempos depois ele me disse que passou a noite pensando naquele sorriso. E pensar que eu saí de casa sem a mínima esperança de sorrir essa noite. Esse foi nosso primeiro encontro. O resto são outras histórias. Use a imaginação, mas dou uma dica. Final feliz. 

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