Nosso Castelo de Cartas

Nosso Castelo de Cartas

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

O garoto ancião.

17 anos, cabelos pretos longos e olhos castanhos. Jovem empolgado, aventureiro, queria mudar o mundo, tinha vontade de fazer tudo. Nenhuma montanha era alta demais que ele não arriscasse escalar, nenhuma queda era grande demais que ele não conseguisse se levantar. Curioso.

Gabriel era muito curioso.

Gostava de música, gostava de jogos, gostava de filmes, gostava de esportes, gostava de aventuras, gostava de ler.

Um dia Gabriel encontrou um livro numa caixa velha em sua casa, naquele cômodo que tem em todas as casas, aquele lugar onde tem um monte de coisa encaixotada que ninguém usa, mas também não joga fora.

Na primeira página do livro, dizia: "Este livro é mágico".

E de uma certa forma, todos são.

E na segunda página dizia: "Primeiro capítulo: Hoje".

O protagonista do livro era um jovem de 17 anos, cabelos pretos longos e olhos castanhos. Jovem empolgado, aventureiro, queria mudar o mundo, tinha vontade de fazer tudo. Nenhuma montanha era alta demais que ele não arriscasse escalar, nenhuma queda era grande demais que ele não conseguisse se levantar. Curioso.

O livro era uma biografia absurdamente envolvente, Gabriel sem parar leu toda a vida do protagonista que foi contada desde os seus 17 anos até os seus 50 anos. A última linha dizia.

"Na famosa crise de meia idade, eis que ele fechou o livro pois tinha a grande impressão que já não havia mais nada pra escrever."

Gabriel fechou o livro, achou o final idiota e foi dormir.

Entretanto ele nunca mais acordou.

Porque quem acordou naquela manhã foi um cara de 50 anos.

Gabriel tinha envelhecido 33 anos em uma noite, ele correu pro espelho e viu o quanto tinha mudado.

17 anos, cabelos pretos longos e olhos castanhos. Nada de diferente.

Mentira.

Tudo era diferente.

Gabriel meio que levantou cambaleando e foi tomar café, sua mãe lhe deu bom dia como se nada tivesse acontecido. Mas ele nem deu bom dia pra ela, porque ele se sentia como se já tivesse dado um milhão de bom dias e mais um não faria diferença, era a coisa mais estranha que já havia sentido, mas era tipo estar enjoado de dar bom dia.

Mas ele gostava de dar bom dia.

O café da manhã tinha leite com chocolate e pão com queijo. Ele adorava aquele café da manhã.
Mas hoje ele havia acordado como se já tivesse comido aquele café da manhã um milhão de vezes, mal tocou na comida, estava enjoado de pão com queijo.

E ao longo do dia ele percebeu que tudo estava igual. Tudo era repetido, era um filme já visto, e ele tinha certeza absoluta que já tinha feito tudo que havia pra fazer.

Nesses 33 anos ele viu todos os filmes que queria ver, leu todos os livros que queria ler, escutou todas as músicas que queria, conheceu todas as pessoas que queria, beijou todas as garotas que queria. E mesmo que ele visse outros filmes, escutasse outras músicas ou conhecesse outras pessoas nada parecia se comparar com os últimos 33 anos os quais ele já havia vivido.

Era tudo sem graça.

"Era como se não houvesse mais nada pra escrever". Ele pensou.

E lembrou-se do livro, correu em casa e o pegou.

Na primeira página dizia: "Este livro é mágico".

Não pode ser. Ele pensou.

Na segunda página haviam as seguintes palavras:

"Hoje acordei meio estranho, meio enjoado. Mas nem prestei atenção nisso, por que um grande amigo que eu não via a muito tempo me ligou, dizendo que estava na cidade."

Tu ru ru ru, tu ru ru ru, tu ru ru ru ruuuu.

Era o celular de Gabriel.

- Alô ?

- Alô. Quem é?

- Sou eu cara! Quanto tempo! Não lembra mais de mim?

... (silêncio)

- Estou de passagem por aqui! Vamos nos encontra hoje, pode ser?

- Claro.

- Certo! Passo na sua casa mais tarde então!

- Ok.

... (silêncio)

Eu não sei se o livro era mágico mesmo.

Mas Gabriel sabia. Gabriel tinha certeza de que o livro era mágico, de que ele tinha vivido 33 anos e agora era um velho de 50 que não via mais graça na vida preso no corpo de um moleque de 17 anos.

Gabriel morava numa metrópole. Ele pegou um elevador num dos prédios mais altos da cidade.
Num lugar onde se podia acessar a cobertura do edifício (não era exatamente permitido, mas ele dava um jeitinho) ele adorava ver o pôr-do-sol naquele lugar.

Gabriel deitou na cobertura do prédio e passou horas pensando na vida, no universo e tudo mais, E qual era o sentido daquilo tudo.

"Era como se não houvesse mais nada pra escrever"

Realmente não havia mais nada? Tudo era tão absurdamente sem graça assim?

Ele só conseguia pensar que era.

Só faltava um fim pra essa história.

Começou a chover.

Ele pegou o livro e foi pra beira do prédio, olhou lá pra baixo por uns minutos.
Carros, confusas cabeças, a correria das capitais.

Olhou pro livro, olhou pra baixo, pro livro, pra baixo.

Chuva forte.

Já era hora do fim.

Abriu o livro...

17 anos, cabelos pretos longos e olhos castanhos. Jovem empolgado, aventureiro, queria mudar o mundo, tinha vontade de fazer tudo. Nenhuma montanha era alta demais que ele não arriscasse escalar, nenhuma queda era grande demais que ele não conseguisse se levantar. Curioso.

VUSH

É o som que faz o vento quando se caí de bem alto.

SPLAFT

É o som que se faz quando se atinge o chão molhado. Tipo SPLASH + PAFT

Quase caiu na cabeça de uma pessoa. Essa pessoa aleatória que não tinha nada a ver com a história tomou um puta susto.

Ele pulou.

Pro outro lado, de volta pro meio do edifício.

Agora, de costas pra beira do prédio ele notou que começava o pôr-do-sol.

E assim que começou a admirá-lo ele sentiu-se como se já houvesse visto o pôr-do-sol um milhão de vezes.

Mas não dá pra enjoar do pôr-do-sol.

Deu um sorriso.

Ninguém quis pegar o livro que caiu lá embaixo, caiu na chuva mesmo. Molhou, estragou.

Ainda bem, acho que era um livro perigoso.




sábado, 13 de agosto de 2011

Sobre inversão de valores.

Já perceberam que vivemos em uma sociedade onde os valores estão invertidos de uma forma a qual chegamos ao ponto de disputar quem é mais desagradável?

Ou vocês nunca passaram por uma situação onde amigos, disputavam entre si quem “dava melhores cortadas” um no outro ou onde brigavam pelo título de “o cara da turma que mais zoa com os outros” que é geralmente o mais valorizado.

Pois é, hoje dar o lugar para os outros virou estupidez, ou você nunca se pegou com medo, receio ou envergonhado do que os outros iam pensar quando você resolveu fazer uma boa ação?

Quem faz trabalho voluntário “Putz que burro, o quê você ganha com isso?” E até mesmo com amigos ou em relações amorosas te perguntam “O que você ganha com isso?”

Hoje em dia dar algo sem receber nada em troca é burrice. E dar algo sem esperar nada em troca é utópico.

E de repente virou tudo sobre ganhar, sobre levar vantagem. Sobre atropelar seres humanos iguais a você se você pode ganhar algo em cima disso.

Porque o cara “bom” “massa” “muito doido” é aquele que pega um monte de mulheres e não aquele que resolve estar com uma só.

Porque as pessoas vistas em primeiro lugar na sociedade são vistas pelo que têm e não pelo que são. E não importa o que você tenha sacrificado, e sobre quais valores você tenha passado por cima pra conseguir esse dinheiro.

Vivemos numa sociedade onde não se pode mais nem confiar na palavra das pessoas.

Desde pequeno eu sempre fui do contra, se todos jogavam futebol eu jogava videogame. Se todos insistiam no que tocam por aí e chamam de música, eu não largava a mão de escutar piano. Quando eu era pequeno, eu escrevia poemas num caderninho e guardava pra ninguém nunca ver porque era coisa de menina.

Pois eu escrevo mesmo! Escrevo rídiculas cartas de amor.

E sou do contra mesmo! E vou continuar sendo!

Porque se ser certo nessa sociedade e levar vantagem em cima dos outros, é disputar quem xinga mais, é vender qualquer coisa por dinheiro, é fazer tudo pra si mesmo.

Eu vou ser errado, e com orgulho.