Num reino antigo, próspero e belo havia um
príncipe. Um paladino, guerreiro da justiça. Desde criança havia sido treinado
na arte da cura e da espada. Era um guerreiro formidável. Conhecido como Licec
da alma de prata, era admirado por todos do reino e onde passava todos
reconheciam sua espada, seu rosto e seus cabelos prateados. Altruísta, sua
bondade para com os outros era conhecida por todos.
Licec por diversas vezes entrou em combate com
inúmeros demônios e sempre saiu vitorioso. Sempre, até aquele dia.
Era uma noite calma e silenciosa, Licec dormia em
paz em seu castelo ao lado de sua amada princesa, o amor de sua vida.
De repente gritos, desespero, trevas. O reino inteiro
estava em pânico. Dezenas de soldados caiam mortos por todos os lados do
castelo. Um Lord, como eram conhecidos os mais poderosos demônios, atacava-os.
Licec sabia o porquê, os Lords sempre atacavam com esse propósito, eles iam
atrás dos mais poderosos guerreiros para convertê-los em cavaleiros das trevas.
Ele era o alvo.
“Sou eu quem ele quer” foi o que pensou. Pegou sua
espada e desceu correndo as escadarias da torre. Ao chegar lá embaixo, grande
foi sua surpresa ao descobrir que o monstro já não estava mais lá. Um dos
soldados o alertou:
- Ele voou até o seu quarto!
Licec voltou correndo, espada empunhada. Mas já era
tarde demais, o destino já tinha envolvido suas cordas através do corpo dele e
não havia mais nada que ele pudesse fazer. Ao chegar ao quarto não havia nenhum
demônio lá, apenas a princesa.
- Licec da alma de prata, eu vim levar você.
Foram as palavras que saíram da boca dela.
- Não!
Um grito prolongado e desesperado, carregando nele
todo o horror que havia no coração e nas lágrimas do guerreiro da alma de
prata. O demônio havia tomado o corpo de sua amada.
A princesa foi ao encontro de seu cavaleiro,
colocou a mão em seu rosto e disse:
- Mate-me.
Só o peso dessas palavras foram o suficiente pra
derrubar sua espada e fazê-lo cair de joelhos no chão.
Um som agudo de destruição, seguido pelo barulho
dos estilhaços da torre despedaçada. Com uma rajada de energia o demônio, ainda
no corpo da princesa, destruiu o teto e as paredes da torre fazendo com que
fosse possível ver todo o castelo daquele lugar.
Ele apontou para os soldados mortos e para o rastro
de destruição que ele deixou ao passar como quem demonstra o quão grande era o
estrago que ele era capaz de produzir em tão pouco tempo.
A sua escolha é simples paladino. Você pode matar
sua amada e salvar o seu reino. Ou pode deixá-la viver a custo da vida de todas
as pessoas dessa cidade.
-Não importa que escolha você faça, você já perdeu.
Eu posso sentir... A partir do momento que minhas palavras o atingiram eu plantei
a dúvida em seu coração. Meu objetivo já foi cumprido, a sua escolha é
irrelevante. Você pode manter a vida da sua amada e seu egoísmo de não
conseguir deixá-la partir trará por consequência a morte de centenas de pessoas
e você não conseguirá lidar com isso e seu coração enfraquecerá. Ou você pode
matá-la, porém mesmo salvando todas as outras pessoas, o sangue das vísceras
dela nunca será lavado de sua alma. Você se culpará para sempre pela morte dela
e mesmo que você tente perdoar a si mesmo com a desculpa de que a matou para
salvar centenas de vidas de nada adiantará. Você nunca perdoará a si mesmo e
seu coração enfraquecerá. Você já perdeu, agora faça a sua escolha, tome o
tempo que quiser. Por enquanto, eu seguirei matando esses seres insignificantes
como formigas que correm pra fora do formigueiro quando pisado. Algumas dezenas
por vez.
Novamente o som agudo perfura o ar e uma rajada de
energia atinge alguns soldados que caem mortos entre poças de sangue no chão. O
que se passava na mente ou no coração de Licec era algo indescritível. Como um
grande branco, um vazio. E não importava o quão forte fosse seu espírito, sua
alma havia sido dilacerada. Seu corpo estava tão paralisado quanto seus
pensamentos. E o demônio continua seu discurso...
- Você sabe que não há solução, sabe que é
impossível me tirar do corpo da garota, sabe que eu posso matá-la quando
quiser. E sabe que não fazer nada é a pior das opções. Como eu falei, o seu
coração já foi atingido, seu espírito destruído e qualquer opção que você tome
é irrelevante. Não fazer nada também é uma opção, assim eu só terei que matar
tanto todos os cidadãos do seu reino, quanto a sua amada e neste momento seu
coração estará pronto para se tornar um cavaleiro das trevas. Licec, você sabe
por que os cavaleiros das trevas não temem a morte? Eles já estão mortos.
Depois de hoje, sua alma, suas emoções e sua razão estarão tão abaladas que você
desejará tanto ter morrido antes. Somente para não ter passado por este dia. Você
lutará em meu nome, buscando constantemente nos campos de batalha seu descanso
eterno. E a morte e somente ela será sua recompensa um dia. E saiba que se você
tentar se matar agora, só facilitará o procedimento. Um ferimento físico é tudo
que falta a seu corpo pra completar a sua transformação.
Silêncio... Destruição... Ele atacou mais uma vez.
- Licec, eu não tenho a noite toda. Já estão todos
mortos, sua amada, seu reino, você. Ainda não entendeu? Vamos, mate-me! Eu
destruí o seu reino, a sua amada, a sua vida! Tudo já está perdido! Onde está
seu ódio? Odeie-me!
O paladino da alma prateada pegou sua espada e
fincou no peito de sua amada.
- Isso Licec. O demônio saiu do corpo dela pela
sombra e materializou-se outra vez. A espada de Licec estava banhada em sangue.
A princesa voltou a si, olhou nos olhos de seu amado uma última vez em vida,
colocou as mãos na lâmina de sua espada e caiu ao chão. Seu corpo ensaguentando
estirado no quarto com a espada fincada em seu peito. O Lord arrancou a espada
do corpo da princesa, a lâmina dela tornou-se negra. Ele fincou a espada no
coração de Licec e o paladino caiu de joelhos no chão.
- Cavaleiro negro.
- Sim, mestre.
- Levante-se.
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