Morava no
3o andar de um grande prédio, enorme lá fora, mas aqui dentro o apartamento era
pequenininho. Bem embaixo da janela tinha uma caixa de ar-condicionado feita de
cimento que ficava pro lado de fora do meu quarto. Parecia um perfeito apoio,
passei pela janela e subi lá. Olhei pra cima, estiquei os braços pro lado, que
nem aquela estátua gigante lá do Rio que esqueci o nome agora. Fechei os olhos,
senti a bria no rosto. Parecia um ótimo dia para voar.
- MENINO! DESCE DAÍ AGORA!
Patrícia
gritou.
Tomei um
susto, virei de costas pra ver.
Mas já
era tarde demais.
Nessa
hora eu já estava no ar.
Erguido
nos braços de Patrícia, que me tiraram do conforto de cima do ar-condicionado e
da brisa lá fora. Me trazendo de volta pra realidade do meu quarto sem graça.
Eu
expliquei pra ela que sabia voar, tinha aprendido. E ela me explicou uma
história de que "sonho era diferente de realidade" e "voar era
impossível" que eu achei completamente ridícula. Eu não acreditei em nada
disso, era algo triste demais para ser acreditado. Até que ela me falou que
mamãe ia me dar umas boas chineladas se eu tentasse voar de novo. Bom, aquilo
sim era uma verdade incontestável. Com as chineladas de mamãe não se brinca,
achei melhor deixar pra trás essa história de voar. No meu sonho era tão fácil,
era só se jogar e errar o chão, mais nada. Mas, como já disse. Chineladas.
Melhor não.
Hora de
ir pra aula, toma banho, almoça, põe uniforme, amarra o tênis. Patrícia vai
comigo, mas é pertinho, acho que já sou grande o suficiente pra ir sozinho, mas
mamãe não deixa, melhor não. Ela se preocupa muito comigo, pena que está sempre
tão ocupada.
Chego na
escola, a primeira visão é sempre o exército maligno das forças do mal, ou,
vulgos meninos grandes que te xingam e te batem sem motivo. Eu nunca vou
entender o porquê, de verdade. Fico me perguntando se quando a gente fica
adulto a gente descobre porque tem gente que gosta de xingar, bater, ou tratar
os outros mal. Na real, acho que nunca vou entender isso mesmo.
Acho que
eles ficam lá na frente pra fazer tipo um reconhecimento de terreno, analisando
os mais fracos, ou quem eles vão mexer hoje. Olharam muito pra mim, altas
chances de que hoje o escolhido seja eu, o negócio mesmo é rezar pra que não, é
o melhor que posso fazer. Mamãe disse pra eu falar pra professora ou pra ela,
não adiantou, papai disse pra eu fazer umas aulas de karatê, também não
adiantou. A melhor estratégia quem descobriu fui eu mesmo, ficar na minha,
fingir que nem existo, ser tão não importante que nem eles vão dar bola pra mim.
Se
discutirem, eles tão certos e eu tô errado, se me xingarem, finjo que nem
escuto. Pra que tentar lutar de volta? Ser forte pra se defender? Criar um
escudo, tentar encarar aquilo da melhor forma possível? O negócio é fingir que
não se importa, no começo, pode até parecer difícil, muito difícil, você meio
finge que não se importa, mas acaba se importando no final. Mas com o tempo,
vai ficando cada vez mais fácil, e fingir que não se importa vai se tornando
não se importar de verdade.
Com os
xingamentos eu já aprendi totalmente a lidar “feio! Gordo! Burro! Cara de melão
amassado! Jumento! Baleia azul! Idiota!”. Mamãe me disse uma vez que o que
diziam de mim não se tornava realidade, podiam me falar mil vezes que eu era
burro, mas eu não era burro, tirei até nota alta uma vez, ela falou. E o que as
pessoas diziam de mim não muda quem eu sou. Eles podiam falar o que quiser que
não ia mudar a realidade. Sabe o pior? Ela tinha razão, a verdade mesmo é que
mamãe tinha razão uma porrada de vezes. Aí,
graças aos moleques que me batiam, e é claro, mamãe, eu aprendi uma lição que
me serviu o resto da vida inteira. O que as outras pessoas pensam, ou falam de
vim, é irrelevante, não ligo. Vi um velhinho falar uma vez num desenho assim “nada
me atinge, virei rio, não importa quantas pedras joguem, a água não muda, se
aparecem troncos, desvio por volta. Se o vento bate forte, a árvore gigante
cai, mas o galho pequeno se entorta e volta como se nada tivesse acontecido”.
Nada pode me atingir, sou invencível.
PAFT!
Menos um empurrão com toda força, isso aí não só pode como me atingiu sim, e atingiu legal. Bati de costas e com a cabeça na parede atrás de mim, meu lanche caiu no chão. Tocou o sinal pra hora do recreio e eu estava morrendo de fome. Mas esqueci que ainda precisava enfrentar o exército invencível do mal se eu quisesse comer hoje. Os olhos já enchiam de lágrimas. Mamãe falou que homens podiam chorar também, que não tinha problema. Mas acho que eu chorava demais.
Menos um empurrão com toda força, isso aí não só pode como me atingiu sim, e atingiu legal. Bati de costas e com a cabeça na parede atrás de mim, meu lanche caiu no chão. Tocou o sinal pra hora do recreio e eu estava morrendo de fome. Mas esqueci que ainda precisava enfrentar o exército invencível do mal se eu quisesse comer hoje. Os olhos já enchiam de lágrimas. Mamãe falou que homens podiam chorar também, que não tinha problema. Mas acho que eu chorava demais.
Um
tio meu falou uma vez que a escola era a melhor época da sua vida, e eu
imediatamente pensei na hora, “então ou tem algo de errado com a minha
infância, ou com a sua adultez”. Imaginei, “não é possível, não tem como
piorar”.
A
gente sempre pensa que não tem como piorar, por exemplo, agora, tomei um
empurrãozão, bati a cabeça, meu lanche caiu no chão. Não tem como piorar,
certo?
Nenhum comentário:
Postar um comentário