Nosso Castelo de Cartas

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sábado, 26 de dezembro de 2020

A primeira e última carta ao meu amor escrita

A primeira carta ao meu amor escrita
A primeira e última carta ao meu amor escrita

Te vi a primeira vez
num bar
Copo de cerveja na mão
Cabelos loiros que brilhavam
como o pôr do sol no verão
Um sorriso que encantaria
qualquer um que passaria...

E eu me encantei.
Mas naquele momento
o destino ria as minhas custas
Eu escrevia na areia da praia
seu nome e o meu
num coração
Sem saber que uma onda ia passar
nossos nomes, apagar
te levar para longe de mim
pra nunca mais voltar

Naquele dia que te vi
seus lábios tocaram os meus
nós dois brincando na piscina...
Como num filme tocava ao fundo músicas de amor
Enquanto aquele momento passava em câmera lenta
e eu me apaixonava por você

Nos encontramos uma, duas, três vezes
passava cada uma delas e eu só queria te ver mais
Olhava no fundo dos teus olhos
me apaixonava cada vez mais por você

Decidi te escrever uma carta!
A primeira carta ao meu amor escrita.
Mas depois de dias de páginas rasgadas,
rascunhos errados
Desisti de descrever você,
Afinal tu és arte tão sublime
que jamais caberia em palavras num papel

Resolvi então subir no alto da montanha
em busca da mais bela flor pra te dar
mas não encontrei nada pra levar
que fizesse jus a sua beleza
Desisti também da flor...
Mas te levei umas amoras que peguei no caminho
Suas favoritas.

No último dia do ano,
resolvi te entregar minha carta de amor.
De surpresa fui em sua casa
de longe te vi na porta...
Mas você não estava sozinha

Como a onda que apagou nosso nome na areia
Apareceu alguém do teu lado
E te roubou de mim
Você abraçada com ele
O olhava nos olhos
E eu me perguntava se você o via
Com os mesmos olhos que eu olhava pra ti

As lágrimas caíam no meu rosto
precisava ir embora
A onda que te levou
me tornou náufrago
Pois sem você não havia chão
sob meus pés

Amaldiçoei os céus por meu destino
agora, já era tarde demais.
A primeira carta ao meu amor escrita,
na verdade, era a última.

Quis ir embora, mas fiquei
peguei minha caneta e a carta risquei...
Mas risquei só o título
aquele traço em cima das palavras
cortava mais que uma faca em meu coração

Mas engoli as lágrimas, olhei pra ti
Você me viu
Caminhei em sua direção
Te entreguei a carta
As amoras
Parti em minha solidão

Ficou em suas mãos a última carta ao meu amor escrita
Ficou contigo, meu coração
Ficaram comigo apenas lágrimas
A lembrança dos teus lábios
A memória do teu toque
O som da tua voz

Naquele momento
o destino ria as minhas custas
Eu afundava na imensidão do mar
Nunca mais irei te ver
Nunca mais vou te encontrar

Que ao menos se eternize em papel
A última carta a meu amor escrita
Talvez assim ainda viva
Um pedacinho de mim
Em seu coração

Triste eu parti da sua vida
Te amei mais que deveria
Espero que seja muito feliz
Mas pra não esquecer de nós
Fique ao menos com essas palavras
Fique com a última carta
ao meu amor
escrita

Oh meu amor
Daria o mundo pra te ter de volta
Mas agora já é tarde demais
O sol se põe as minhas costas
Você parte pra longe de mim
E a única coisa que me é permitida
São as memórias desse amor
Que ficarão eternizadas
Nessa última carta
ao meu amor
escrita

terça-feira, 10 de novembro de 2020

A cigana de fogo (Ato 1)


1813
Europa ocidental
Voltava pra casa após mais um dia de trabalho nada incomum
Distante eu vi uma fogueira
Um povo estranho em volta dela dançando e cantando
Me aproximei
Talvez
Demais

Ergueu-se de dentro das chamas
Uma cigana de pele clara como a lua cheia
Cabelos amarelos como as chamas em volta de seu corpo
Olhos da cor do mar

Eu olhei dentro de seus olhos
Só por um segundo
E me perdi

De repente era náufrago
Sem chão sob meus pés
Perdido na imensidade do mar


Fiquei a admirar a cigana dançar
Ela movia o fogo aos céus
Com seus braços entrelaçados acima do rosto
Seu cabelo se perdia entre as chamas atrás de seu corpo
A fluidez dos seus dedos
Transformava o fogo em ondas
Do mar
Que me puxavam cada vez mais
Do porto seguro, da praia tranquila
Pra dentro daquele aterrorizante mar de fogo

Um passo de cada vez eu me aproximava da cigana
Como um velho andando lentamente em direção a morte
Mal sabia eu
Que já estava condenado
Já estava enfeitiçado
Pela cigana de fogo
Dos olhos de mar

Uma rosa que a cigana atirou aos céus
Caiu sob meus pés
Eu me abaixei, a peguei
Me apeguei
A rosa vermelha da cigana
Que dançava ao luar

Eventualmente os observadores partiram
Depois os donos da festa se levantaram
Por último os músicos pararam de tocar
E a cigana que me enfeitiçou parou de dançar

Ela se aproximou de mim e sorriu
Como um gago, mal consegui falar
A cigana pegou suas coisas e partiu
Mas eu gritei
Espere!
Não se vá!

Eu corri ao encontro da cigana de fogo
Perguntei seu nome
Segui seu caminho com ela
Afinal sem a cigana, tão bela
Eu jamais conseguiria ficar

A cigana de fogo
Me enfeitiçou com seu olhar
Dormi aquele dia ao lado dela
Foi muito melhor que sonhar

Naquela triste manhã escura
Acordei ao nascer do sol
Sozinho

Procurei a cigana em todo lugar
Eu não a encontrei
Mas ela me encontrou e me disse

Me perdoe
Mas aqui não é meu lugar
Terei que partir
Pra nunca mais voltar

Eu me ajoelhei
Implorei
Cigana de fogo
Por favor!
Não vá

Seus olhos de mar
Se encheram de lágrimas
Ainda assim a cigana se foi
Mas ela me prometeu voltar

Com um sorriso no rosto
Eu deixei a cigana ir
Na esperança e na certeza
Que um dia ainda
Haveria sorrir

Então no outro dia eu voltava pra casa
Após mais um dia de trabalho nada incomum
Distante eu buscava a fogueira da cigana
Mas nada encontrei

Passou-se um dia
Um mês
Um ano

Dia após dia
Eu buscava a cigana
Por todo lugar

Construí uma casa
Pra gente morar
A cama minha e da cigana
Onde ela iria deitar

Plantei uma rosa vermelha no chão
Pra dar a cigana de fogo
As mais belas flores do meu jardim
Quem sabe assim
Quando voltasse
Aqui comigo
Ela ficasse
Do meu lado
Até o mundo acabar

Disseram-me
Esqueça a cigana!
Disseram-me
Era uma bruxa que o enfeitiçou!
Primeiro eu não os ouvi
Depois quis muito escuta-los
Mas é claro que não consegui

Todo dia, pra cigana, eu esquentei um chá
Todo dia eu implorava pra ela voltar
Colocava minha roupa mais bonita
Levava comigo a rosa mais bela do jardim
Atravessava a cidade em busca da cigana
Mas ela...
Ela nunca estava lá.

Os anos passaram
Eu passei

Como um velho andando lentamente em direção a morte
Bem sabia eu
Que ainda estava condenado
Ainda estava enfeitiçado
Pela cigana de fogo
Dos olhos de mar

No meu último dia na terra
Ainda teimei em insistir com as estrelas
Por que? Ah! Uma promessa
Uma promessa há
Cigana dos cabelos de fogo
Talvez não nessa vida
Mas ainda irei te encontrar

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Sobre dor

Às vezes...
as pessoas acham que podem magoar você
A verdade? 
É claro, elas sempre podem.

Mas, 
no meu caso, 
não.
não se preocupe com isso,
não dá pra me magoar mais.

As pessoas que sentem demais 
são extremamente masoquistas. 
Veja os poetas, por exemplo
Sentem demais 
quer queiram 
quer não queiram 
estão predestinados a dor 

Sentir demais...
A mais amaldioçada 
dádiva de todas.

A verdade é que a maioria das pessoas vêem a dor como uma terrível inimiga 
Outras não. 

Existem pessoas, que apenas acham que conhecem a dor...
e existem pessoas que tem a dor como uma aliada
Que nasceram nela
Foram moldadas nela 
Sofreram muito
Sofreram sempre
Sofreram tanto

Não adianta fugir 
Ela vai te alcançar, te acertar tão forte
Tantas vezes...

Até você se acostumar com ela 
Essas pessoas
Esses poetas
Já sentiram tanta dor 
que deixaram de sentir dor 
que passaram a não sentir nada.
Chegou um ponto que elas nem conseguiam mais sofrer. 
Sofrer tornou-se usual
Tornou-se padrão
Tornou-se só mais um dia comum 
É hábito 
Faz parte 
É assim mesmo 

Esse é o ponto que você esquece a dor. 
O problema é que
quando você
esquece a dor

Você ganha um problema novo
Agora você não sente 
mais
nada. 
E aí você descobre que não sentir nada
É pior que a dor 

Aí você começa a procurar
o que sentir 
em todo canto
Procura em todos os lugares
grita
Socorro! 
Não estou sentindo nada
Já não sinto amor
Nem dor
Já não sinto nada 

Até que um dia, você encontra a dor 
E lembra que não sentir nada 
É pior que o sofrer 
É pior que a dor 
É depois do fundo do poço 

Aí você abraça a dor
Final feliz
Reconciliação!
Estão juntos novamente
É muita alegria 
Ter a dor de volta consigo 

Aí depois de tudo isso
Você não larga ela nunca mais 
A dor ela anda sempre do seu lado 
É sua amiga
Sua maior aliada 

E você aprende 
Que é bom sentir dor 
porque pior que não sentir dor
É não sentir nada

Então sinta 
Nunca deixe de sentir 
Sinta exageradamente 
Grite tudo que sentir 

Se não te ouvirem
Vai restar a dor.
Mas a dor? 
A dor meu amigo
Anda sempre do meu lado 

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Reescrevendo (Nov/2013) - O poeta sem coração

Disseram-me que os poetas escrevem
Aquilo que vem no coração
Mas um dia, rodando pelo mundo
Eu encontrei um poeta sem coração.
Eu perguntei a ele como escrevia
Afinal como poderia
Ser um poeta, sem coração

Ele disse eu não sou, eu fui
Um dia eu fui um poeta
Quando eu tinha um coração
Hoje já não sou mais

E o que aconteceu com o seu coração?
Foi arrancado de seu peito?

Se tivesse sido arrancado, eu teria percebido
Se tivesse sido roubado, eu teria notado.
Se tivesse sido destruído, eu teria sentido
Se tivesse sido machucado, eu teria visto.
Se tivesse sido guardado, eu saberia onde.
Mas ele sumiu
Sem que eu percebesse ele fugiu
Eu vi ele partindo e o deixei
E quando me dei conta, já era tarde
Ele já não estava mais aqui

E como é não ter um coração?
Sem um coração, é difícil sofrer.

E isso não é bom?
Não, não é.

E porque não?

Se você gosta da luz, é porque ela te salva das trevas
Se você gosta da beleza, é porque sabe o que é feio
Se você gosta é porque sabe o que é odiar.
Mas e se você de repente não pode mais sofrer?
Não pode mais sentir?
O que é a felicidade?
Eu esqueci.

E o que fará você sem um coração?

Eu pagarei a minha pena
Como um ser vazio de sentimentos
Exaltando a solidão
Mascarando a felicidade
Vivendo de ilusões

A realidade é cruel criança
O mundo faz seu coração partir
Ele leva embora suas esperanças
E esmaga seus sonhos

Para onde você vai?

Eu vou embora
Seguir meu rumo sem destino
Procurar um sentido sem sentido
E juntar-me a multidão
Eu fiquei velho e cansado
E já não há para onde ir

Você me escutou criança?
Sim.

Então está tudo bem.
Dentro das suas memórias
Eu viverei para sempre

Ser poeta é assim.
Não importa quantas vezes eu morra.
Palavras,
São imortais.

terça-feira, 4 de julho de 2017

Mergulho e Queda

          Do alto do abismo o poeta admira a paisagem da solidão, as nuvens passam entre as suas mãos. Ele deita no chão frio e observa o céu azul, não há mais nada afora o mar escuro tantos metros abaixo. 
          O poeta levanta, sorri, e corre desesperadamente para a beira do abismo como se sua própria vida dependesse disso, ele pula, salta, se joga, se atira, se lança ao nada do horizonte como se não houvesse amanhã. Seus movimentos são perfeitos, mergulhador profissional, já pulou tantas vezes que sabe exatamente o que fazer, como pular, em que posição descer e como cair. Foi um salto perfeito. 
            E é aqui que você entende porque os poetas são mergulhadores. É o vento que corta seu rosto, a sensação de não ter chão sob seus pés, a liberdade de não ter absolutamente nada te segurando. 
        Ele segue com toda velocidade para frente, rosto em direção à água, mas é aí que mora o problema… todo pulo é um mistério… um salto de fé em direção ao desconhecido, mas às vezes, na verdade, na grande, esmagadora maioria das vezes, a aterrissagem é catastrófica. Os poetas vivem de mergulhos profundos, atirados ao infinito sem medo das consequências… é inevitável... sentir é seu vício, e todos que sentem demais entendem que se este é o mais belo dos dons, ao mesmo tempo também é a mais terrível de todas as maldições.
      Afinal, a liberdade do salto… o vento atravessando o rosto, sentir o peito palpitando a velocidades absurdas… Vale a queda?
            Porque a queda é hedionda, aterrorizante, impiedosa.
         O som que vem em seguinte é terrível. Mais uma vez, o poeta se atira com toda vontade em direção ao desconhecido… mas mergulhos profundos em superfícies rasas não são algo bonito de se ver. O poeta atinge a água com toda velocidade, a profundidade do chão? Dez centímetros. Serei honesto com vocês, de tantos saltos que deu na vida, ele nunca antes em toda a sua história havia atingido uma superfície tão rasa, fútil, egocêntrica.
       Foi arrasado, destruído, assolado, danificado, avariado, inutilizado, desfeito, desmanchado, demolido, derrotado, arruinado, desolado, desbaratado, aniquilado, destroçado, abatido, devastado. Incontáveis ossos de seu corpo se quebraram, seu sangue atirado em todas as direções, cada pedaço do seu corpo sentia uma dor insuportável, e muitos diriam, que morrer seria melhor do que experimentar tamanho sofrimento.
           Com a face esmagada no chão, sangue por todos os lados espalhando-se pelo mar, tantos ossos do corpo em pedaços, rosto mergulhado e pulmões enchendo-se de água salgada, parecia o fim do poeta.
          Entretanto, eis aí a dádiva e ao mesmo tempo, o grande infortúnio dos que sentem demais. É impossível a morte por queda… os poetas são imortais. Mas e a dor? Ah, a dor é tamanha que muitas vezes a morte lhes parece um destino muito mais doce e gentil.
          Passa-se o tempo e o poeta permanece mergulhado na água, sentindo seu sangue se esvaindo, seus ossos despedaçados, o sal em seus ferimentos e a água em seus pulmões. O tempo se vai… e aos poucos o poeta começa a se recuperar, demora, demora muito, uma eternidade, mas seus ossos quebrados eventualmente se consertam, o sangue perdido volta a bombear em suas veias, e ele lentamente começa a rastejar, sentar-se, levantar-se, caminhar, ele volta a olhar para o sol. A dor ainda não passou, mas é menor, mais suportável a cada dia.
        O mais cedo possível, o poeta, apesar de ainda nem estar completamente recuperado, carregando consigo cicatrizes que permanecerão por uma vida inteira, logo volta a escalar a montanha, e ei de avisar, que a escalada já é difícil por si só, mas com tantos ossos tão recentemente quebrados, com tão pouco sangue percorrendo seu corpo, todo o cansaço dos ferimentos e da queda, torna a subida quase que impossível. Mas ele não desiste nunca, e o poeta logo alcança novamente o topo da montanha. 
          Do alto do abismo o poeta admira a paisagem da solidão… as nuvens passam entre as suas mãos, ele corre como se sua própria vida dependesse disso, e se joga mais uma vez. 
          Ao sentir a indescritível dor da queda, é plausível compreender que algumas pessoas jamais conseguem pular outra vez. No alto da montanha é mais seguro, mais tranquilo, lá é fácil… o poeta entende perfeitamente o sentimento de todos que se recusam a saltar uma segunda vez.
           Mas ele simplesmente não consegue. Se atirar do alto do abismo é a natureza do poeta, mesmo sabendo da imensa possibilidade de quase sempre atingir superfícies extremamente rasas, que o farão quebrar todos os ossos do seu corpo, tal medo não é o suficiente para impedir o poeta de saltar. Se arriscar na queda para o poeta é vício, é impossível não se jogar.
          Então, ele salta mais uma vez em direção ao desconhecido, na esperança que desta vez, quem sabe, consiga alcançar a verdadeira profundidade e imensidão do mar.
          Contudo, para o poeta, o maior prazer é a queda. O vento cortando seu rosto, estar no ar ainda que seja por tão poucos segundos sem tocar nada, a liberdade de sentir tudo até o último momento, é tudo tão rápido, e ele sempre sabe que muito provavelmente atingirá mais uma vez o chão raso que irá quebrar todos os ossos do seu corpo. Isso tudo, por uma brevidade tão ínfima. Será que vale mesmo a pena? 

          O salto, pela queda?

          Sim.

          Vale.